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Não é uma situação incomum escutar em rodas de amigos, até, às vezes, em tom jocoso que o pai do fulano foi comprar cigarro e nunca mais voltou.


Anos atrás chegou a ser tema de novela, em que um pescador, depois de sumir por mais de 10 anos no mar, misteriosamente reapareceu na vida da família depois dela ganhar uma bolada na loteria.


Mas, e na vida real, como se procede quando esses fantasmas misteriosos aparecem?


No Brasil, embora a literalidade da lei deixe claro que não corre prescrição entre cônjuges na constância da sociedade conjugal, o ponto chave da questão é a parte final do dispositivo que fala em constância da sociedade conjugal.


A sociedade conjugal se confirma quando o casal tem mútuo desejo de constituir e permanecer naquela família (família não quer dizer que tenha que existir, necessariamente, filhos na relação) e, quando o casal deixa ter esses desejos mútuos, ocorre o que chamamos de separação de fato.


A separação de fato põe fim ao compromisso marital assumido (não importando se o casal era casado ou só mantinha união estável) e com isso, o prazo prescricional passa a contar para que um tenha direitos exclusivos sobre o(s) ben(s) deixados.


Aqui vamos dar o exemplo de uma casa adquirida por ambos durante o curso da relação, sendo que o fantasma do(a) ex voltou para te assombrar 16 anos depois que abandonou o lar querendo sua parte da casa, além de pedir indenização pelo uso na forma de aluguel.


Não é uma situação corriqueira, mas pode acontecer.


Nesse caso temos duas saídas e as duas são a declaração da usucapião, pois, em 2011 foi criada a modalidade da usucapião familiar, que nada mais é do que uma modalidade de usucapião destinada a preservação do lar contra quem indevidamente simplesmente o abandona, conferindo conforto e segurança a quem ali permaneceu.


Para que o cônjuge possa requerer a usucapião familiar, ele deve atender a dez requisitos legais:


  1. O primeiro deles é morar pelo menos dois anos ininterruptos.
  2. A propriedade não pode ultrapassar duzentos e cinquenta metros quadrados.
  3. A posse deve ser direta, ou seja, exercida por si mesmo.
  4. A posse deve ser exclusiva, ou seja, o tempo anterior ao abandono não conta.
  5. A posse deve ser mansa e pacífica, ou seja, não pode ter atos de interesse do ex sobre o imóvel.
  6. Deve existir uma copropriedade anterior com o ex.
  7. A finalidade do uso do imóvel deve ser exclusiva para moradia.
  8. O cônjuge só pode ser proprietária(o) deste imóvel e mais nenhum outro.
  9. Esse direito só pode ser declarado uma única fez.
  10. Deve restar configurado o abandono do lar.


Quando falamos de abandono do lar, ele pode ser espontâneo ou coercitivo, por meio da ação cautelar de separação de corpos ou criminalmente, em decorrência de agressões ou ameaças com base na Lei Maria da Penha, bastando que não seja feita nenhuma tentativa de partilha desse imóvel após o afastamento.


Claro que, buscando paz e tranquilidade na família, o cônjuge também pode sair da casa comum com o objetivo de garantir integridade e respeito aos filhos e ao ex-cônjuge, mas, mesmo na melhor das intenções, restará caracterizado o abandono.


A usucapião familiar mostra-se uma alternativa viável para solucionar os problemas enfrentados na regularização de imóveis, que atenderá a função social do imóvel devido ao fortalecimento da estabilidade familiar com a segurança que um teto permanecerá sob suas cabeças.


E como segunda alternativa, temos a decretação da usucapião em si, não a conjugal, mas aquela ordinária (desde que tenha um justo título, use o imóvel há pelo menos 10 anos e tenha feito benfeitorias ou utilize o imóvel para moradia) ou a extraordinária (desde que tenha mais de 15 anos de uso do imóvel, independentemente de ter justo título ou não), algo que no nosso exemplo se tem cumprem os requisitos para uma ou outra.


A decretação de outras modalidades de usucapião depende também do cumprimento dos requisitos legais específicos e próprios do procedimento, tais como a juntada da planta atualizada, comprovação da posse, juntada de memorial descritivo, oitiva das fazendas públicas etc.


E, isso só se tornou possível com a consolidação do entendimento dos tribunais superiores no sentido de que o condômino pode usucapir sozinho a coisa comum desde que exerça a posse de forma exclusiva.


Assim, no presente caso, mesmo que o fantasma queira te assombrar para pegar metade da casa, a nosso ver, nenhum direito lhe cabe.


Por: Eduardo Fernandes Serafim

Advogado e Sócio da Fernandes Serafim Advocacia.

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